Se eu pudesse trincar...
Robson Xavier (Artista/Curador)
Leandro Garcia (Curador Assistente)
Fábio Rodrigues, Caleb Costa (Expografia)
“Se eu pudesse trincar a terra toda”
(...) Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural…
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva…
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica…
Assim é e assim seja…
Alberto Caeiro (Heterônimo de Fernando Pessoa)
No livro “O Guardador de Rebanhos”
Robson Xavier é artista visual que adotou João Pessoa como cidade desde 1999, migrante do sertão paraibano, natural de Patos. Sua formação e posterior vinculação como docente do Departamento de Artes Visuais da UFPB, desde 2004, impactou sua poética.
Desde o início seu trabalho incorpora técnicas mistas com pintura, colagem de materiais diversos, suportes e dimensões variadas. Na década de 1990, trabalhou com madeira, lona, tecidos diversos, rendas e outros materiais. Sua temática inicial versava sobre o imaginário sertanejo, sua terra natal, e a visualidade da arte moderna brasileira.
A partir dos anos 2000, com sua formação em artes plásticas e a pós-graduação em áreas afins às artes visuais, passou a abordar questões relacionadas a identidade e alteridade. Seu trabalho é marcado pelo simbolismo e a fluidez da vida, incorporando questões de gênero, relacionadas ao seu universo LGBTQIAPN+ refletindo imagens oníricas e ressignificando sua percepção sobre o cotidiano gay. Arte, identidade e gênero se mesclam em uma paleta de deslocamentos políticos.
A exposição SE EU PUDESSE TRINCAR... apresenta núcleos de pinturas produzidas ao longo da sua carreira, que em 2022 completou 33 anos. Sua obra evidencia tensionamentos e questionamentos sobre a construção do eu gay ao longo da vida. Autorreferências, autonarrativas e autobiografia do artista se mesclam em imagens de autorretratos, retratos, personas e derivas.
Boniteza
Curador: Fábio Rodrigues
Assistente de curadoria: Caleb Costa
Não me venha com justificativas genéticas, sociológicas ou históricas ou filosóficas para explicar a superioridade da branquitude sobre a negritude, dos homens sobre as mulheres, dos patrões sobre os empregados. Qualquer discriminação é imoral e lutar contra ela é um dever, por mais que se reconheça a força dos condicionamentos a enfrentar. A boniteza de ser gente se acha, entre outras coisas, nessa possibilidade e nesse dever de brigar.
Paulo Freire
Bo – ni – te – za é um substantivo feminino para caracterizar o bonito, a formosura, a beleza, a airosidade. Seu uso pode ser atribuído a algo ou alguém sempre quando pensamos no bonito, no belo, na graciosidade, na lindeza. Boniteza é, portanto, o contrário de fealdade, da feiura, da repelência.
Essa palavra ocupa um lugar especial e ao mesmo tempo importante no pensamento de Paulo Freire (1921-1997), ao longo de sua presença no mundo. Palavra que se metamorfoseou para um conceito impregnado por uma concepção política, ética e estética da vida e das diferentes e necessárias formas de defendê-la.
Freire, indignado com o projeto político das(os) dominadoras(es) que defendem o amanhã como uma continuidade do hoje, acreditava no amanhã como possibilidade, algo a ser trabalhado, a ser construído; algo a se lutar. Para ele, a luta pelo amanhã passa necessariamente pelo estético, ético, político e científico.
A Boniteza de nossa presença no mundo, com o mundo e com as(os) outras(os) na luta pelo amanhã, é um projeto porque somos projeto e temos projeto.
Como existência, nossos corpos criam beleza, uma boniteza que revela nossa presença no mundo, que denuncia suas feiuras e anuncia seu projeto.
Essa exposição toma para si a Boniteza freireana como um projeto coletivo entre artistas, não artistas e curador, que se anuncia transgressor nesse tempo-presente tomado por um conservadorismo que revela no discurso de ódio seu projeto de mundo e para o mundo.
A partir da colaboração de artistas e não artistas dissidentes sexuais e de gênero, a exposição apresenta três núcleos conceituais interligados entre si: boniteza da presença; boniteza da denúncia; boniteza da anunciação.
A exposição é um exercício de aprender a desaprender sobre a feiura do mundo que tentam nos impor, negando a Boniteza de nossa existência e a presença nesse mesmo mundo.
Para realizar esse projeto não poderia deixar de agradecer às(aos) artistas que aceitaram meu convite para comporem uma exposição virtual, mas também para às (aos) que por razões diversas não puderam colaborar. Um agradecimento especial a Ana Paula e Faustino Pinto, dois ativistas do movimento LGBTI+ da cidade de Juazeiro do Norte – CE, que autorizaram a exibição do vídeo “Markito" (Monica Moraes), que integra o núcleo Boniteza da Presença no Mundo.
Juazeiro do Norte, 28 de junho de 2022.
Fábio José Rodrigues da Costa
Curador